Sábado, 26 de Janeiro de 2008

O Quarteto na Vigairada

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Decorriam os anos setenta e era tempo de festas. Festas dos Santos populares. Festa de dança, marchas e petiscadas.
Os quatro amigos decidem ir a ela, à tal festa, e a elas, que por ela, a pavonearem-se certamente não faltariam. “ Nesta altura do ano andam todas à solta, é dos calores!”__diz o Brasuca, muito convicto dessa sua afirmação__. (Brasuca por alcunha, por ter estado no Brasil e por ainda não se ter livrado de algumas expressões tal como uma que repetia amiúde, que era: __ ó seu cara de chapa).
Depois de bem aperaltados eis que: eles lá vão à caça, de armas bem carregadas, prontas a serem descarregadas na primeira “perdiz” que por perto passasse, ou que a jeito se pusesse.
Atravessam o descampado grande como uma parada militar e ao passarem junto ao ringue desportivo e à cozinha, são contemplados com um trecho de uma peça orquestrada pelas gargantas da bicharada que habitava a horta. Eram patos, galinhas, cabritas e porcos, que por serem muito bem tratados por um grupo de doentes orientados e devidamente controlados por uma equipa de profissionais da saúde mental, eles os da bicharada também contentes estavam e se manifestavam com a sua festa possível.
Transpõem o portão e o manicómio fica para trás.
O manicómio era um mundo diferente totalmente à parte, do outro mundo considerado dos sãos .
Ainda hoje tenho as minhas dúvidas que assim seja , porque cada vez mais, vejo mais malucos à solta que internados.
Junto ao Campo Santana, na rua que desce até ao Martim Moniz, passam carros eléctricos a abarrotar de gente alegre.
Os quatro amigos decidem continuar a pé, não por eles irem tão cheios, porque cabe sempre mais um nem que seja pendurado fora de borda, mas porque estava uma rica tarde, com uma temperatura ideal que convidava a bons passeios.
Já no Largo do Martim Moniz, junto ao cinema “piolho”especializado e afamado por passar sessões contínuas de “coboyada” da forte com grandes batalhas de tiroteios, setadas e machadadas entre soldados liderados e guiados por aventureiros e por grupos aguerridos de Índios, que, coitados perdiam sempre. Porque era assim que rezava a história, era assim que a contavam, porque era assim que devia de ser encarada, __ os bons e os maus __. Os bons eram os colonos invasores, os maus eram os Índios, que coitados só queriam que os deixassem em paz e sossego, a viverem na paz dos anjos e na companhia das aves e dos animais de quatro patas seus amigos, naquelas terras onde primeiro tinham chegado. Às vezes nos salões, após todo mundo estar bem bebido, aconteciam desavenças entre pistoleiros, jogadores e engatatões profissionais que originava grandes sessões de porrada de criar bicho e raspar pêlo.
__ Ó pessoal! Ali naquela casa da janela verde, um dia vim ver uma televisão que estava empenada.
Estava eu a olhar as entranhas da dita, envoltas num camadão de poeira, e eis que a dona, uma velhota já muito velhota mas com um pulmão de fazer inveja a muita boa gente, dá uma assopradela com uma tal força, que me enfarinhou todo! Do que ela se haveria de lembrar!
__ Ouve lá ó Dr. “Parafusos”: isso havia de ter sido comigo. Pegava na velha e pendurava-a no estendal da roupa.
Na esquina da praça, o “ Rodas baixas”, (alcunha bem espetada porque realmente era muito pequenino), tem um rica ideia e lança-a para a mesa.
__ E que tal se fossemos ali ao Intendente, ao bar Lindoso ou outro, beber algo e arregalar o olho com o mulherio?
__Isso mesmo, boa ideia! E eu até vou espetar cá pró bucho um prego bem regado com um fino bem geladinho. __ Acrescenta o Olhos de sapo.
(este levou com esta, por usar umas lentes tão fortes que parecia que olhava por um fundo de garrafa!)
Ele tinha um carro! Coisa rara em gente com a categoria de servente, que depois alguém se lembrou de mudar para empregado geral e eu soube que alguns anos mais tarde, esta designação, ainda foi mudada para, __ auxiliar de acção médica __. Ora que porra! Ora vejam lá! Coisa linda sim senhora!
Mas dizia eu que ele tinha um carro. Um carro muito grande, não me lembro nem da marca nem do modelo. Era do tipo citroen boca de sapo com a traseira em rampa. Só que o tal era trombudo estilo americanado.
Um dia organizou um passeio até à praia de Tróia. Todos os que ele convidou para o acompanhar naquela aventura, se arrependeram de terem aceitado o desafio porque o maldito carro andava um pouco e parava. Empurrávamos, andava e de repente, punha-se a tossir e depois de soltar uns roncos engasgados e umas tremidelas na carroçaria, tornava a parar.
As paradas e os empurrões foram às dúzias.
No bar, diz o Brasuca:
__Eia! Pá! Que pivete aqui vai!
__Realmente, agora que o dizes, também eu o sinto. __diz o Rodas baixas.
__Tinha que ser, só agora o sentiste porque os cheiros sobem, e tu, se não desces, pelo menos manténs-te aí em baixo. E o “olhos de sapo” que foi quem isto disse e que era grande como uma girafa, passa a mão em frente do nariz do outro como que a medi-lo. O outro, que, coitado não tinha culpa de ter saído assim. Às vezes, a brincar, (brincadeira parva, mas enfim! …), também eu lhe dizia: isso foi falta de adubo na raiz! E ele ria e dizia: “Ou má qualidade da semente!” E ambos ríamos a bandeiras despregadas.
__Cá para mim, isto é cheiro de leite azedo largado pela pachacha de alguma daquelas gajas, diz o Dr. Parafusos.
Gargalhada geral!
__ Realmente só mesmo tu! Só mesmo dessa tua cabecinha pensadora …, tens bom remédio: vai cheirar uma a uma e logo verás.__ Diz o Olhos de sapo
A gargalhada geral tinha levantado a lebre, e o porteiro que era grande como um dos filhos do clã Bonanza da série da Tv. olhava a medir-nos as intenções.
O Barman, secundava-o no serviço de controlo.
Um gajo com uns pendentes amarelados a brilhar na peluda peitaça, e que pelo aspecto deveria ser o dono de alguma, ou algumas, das máquinas de sexo por ali sentadas, esperando um cliente, em defesa do negócio, olhou e deixou-nos sem saber o que tinha concluído.
__ Bem, o melhor é vazarmos já daqui para fora, diz o Brasuca.
Em fila Indiana, passámos em frente às máquinas de sexo, que alinhadas junto à parede, obedientes aos métodos ensinados e assimilados na aprendizagem da vida, nos seguiram olhando à cata do tal olhar sinal __”anda daí”__, que porventura algum de nós fizesse.
Por aquela encosta acima, de metro a metro a festa animava.
Por todo o lado, rua, ruela, beco e esquina, era um regalo ver petiscadas apetitosas, esperando-nos.
Nos bailaricos as moçoilas encaloradas esperam-nos, __ todos pensávamos.
__ É pessoal, nem é tarde nem é cedo, agora mesmo tocou para uma sardinhada, diz o Olhos de sapo
__Pois que assim seja. Para comer e beber todas as ordens são bem vindas, diz o Rodas baixas.
__Pois claro! Tinhas de ser tu a dizer isso! É por estas e por outras que só cresces prós lados, diz o Brasuca.
__ Que raio! O pivete continua presente, nem o cheiro das sardinhas o afasta daqui!__ Diz o Olhos de sapo .
E a festa continuou, como, mais não pode ser dito, porque as paredes têm ouvidos.
Chegados à camarata do manicómio, eu este narrador , (de Dr. Parafusos alcunhado por um enfermeiro bem inspirado que isto inventou devido ao meu gosto e jeito pela electrónica ), entro no quarto, olho em redor e vejo a causa do
pivete.
Naquele tempo, eu aderi , ( e não gosto de modas ), à moda do salto tamanho de um tijolo e das calças “saiadas”que tapavam a biqueira e ainda sobrava pano ! Para compôr o ramalhete usava-se o cabelo grande. Para o segurar meti umas borrifadelas de uma embalagem que eu pensava ser de laca fixadora, mas era uma outra mistela que com a pressa e como não tenho olfacto, não dei por nada.
__ É pessoal! Encontrei a causa do pivete.
Vinde ver. A quem descobrir, pago uma imperial na Portugália, já na próxima saída.
Todos olharam, com olhos de ver, deveras interessados.
__Ó raios te partam! Não é que este gajo em vez de laca pôs brise, purificador de ar? __ Diz o Rodas baixas.
__Ai pagas, pagas, e não só a ele que descobriu o mistério, pagas a todos e sem espiga, diz o Brasuca, com toda a sua justiça.
E pronto, foi assim aquela noitada daquela cambada à solta mas bem comportada.

 

publicado por Entra ou Sai às 16:37
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